Opinião Jurídica: inexistência de responsabilidade objetiva do empregador em acidente de trabalho

Compartilhamos nossa opinião jurídica elaborada para Presidentes de Sindicatos e para a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul – FIERGS.

OPINIÃO JURÍDICA

ANÁLISE: Possibilidade de responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidente de trabalho.

O Supremo Tribunal Federal (STF) examinará arguição de «responsabilidade objetiva» do empregador por danos decorrentes de acidente de trabalho, matéria para a qual foi reconhecida a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 828040.

O julgamento tem em vista o artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal, que prevê, dentre os direitos dos trabalhadores, o seguro de acidente de trabalho, por conta do empregador, e a obrigação deste indenizar em casos dolo ou culpa.

CF – Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVIII – seguro de acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

Entendeu-se que a matéria possui natureza constitucional, com repercussão social e econômica, face a sua “relevância para o desenvolvimento das relações de trabalho”, tomando-se como paradigma o Recurso Extraordinário 828040.

A tese carreada ao recurso, vinda do Tribunal Superior do Trabalho (TST), foi a da responsabilidade objetiva, por suposta incidência do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, que prevê a responsabilidade com base no risco da atividade:

C.C.  – “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

No exame destas normas e da legislação especial, esta opinião jurídica analisa a responsabilidade civil do empregador frente ao contrato de trabalho e o Seguro de Acidente de Trabalho (SAT).

Também, examina questões relativas aos sistemas de responsabilidade civil no direito contemporâneo; a natureza jurídica do SAT; e condições para ações regressivas frente ao empregador.

Por fim, conclui propondo limites à responsabilidade do empregador, nos casos de dolo ou culpa, como solução de concordância prática no campo dos direitos sociais do trabalhador frente aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF art. 170 e inicos); e no âmbito dos sistemas de responsabilidade civil face aos valores e normas do Direito dos seguros.

SISTEMAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Dentre os sistemas de responsabilidade civil coexistem normas de responsabilidade subjetiva, que pressupõem apuração de culpa ou dolo; normas de responsabilidade por culpa presumida ou risco, com base na exposição à certas atividades; e normas de responsabilidade objetiva, que prescindem da análise subjetiva das causas do evento danoso.

A utilidade de cada uma dessas formas é notável, e varia segundo o campo de atuação do direito sobre os diferentes tipos de riscos de pessoas ou danos.

A cláusula geral prevista no art. 927 do Código Civil, com sua linguagem intencionalmente aberta[1], delega ao julgador a análise do caso concreto, para identificar os sujeitos, o fato ilícito e os danos a serem reparados:

C.C.  – “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Esta norma, derivação consagrada de leis da antiguidade clássica, é marco fundamental da responsabilidade civil.  Por sua técnica legislativa aberta e relevante utilidade prática, vige nos dias presentes com notável atualidade e adequação.

Como se observa, é um tipo de norma que confere mobilidade ao intérprete, para permitir a apuração da responsabilidade civil conforme as circunstâncias do caso concreto, analisando-se os elementos subjetivos da culpa ou dolo.

Do ponto de vista teleológico, ou seja, da razão de ser da norma, semelhante mobilidade aparece na solução escolhida pelo constituinte, na parte final do inciso XXVIII, do art. 7º da Constituição Federal, que dispõe sobre a responsabilidade do empregador “quando incorrer em dolo ou culpa”.

A propósito, estes contornos oferecidos pela constituição devem prevalecer sobre qualquer ideia de responsabilidade objetiva do empregador, face à unidade da constituição e a superioridade da norma constitucional, consagrando-se o sentido segundo o qual não existe norma constitucional irrelevante.

Outra solução se verifica na forma rígida da responsabilidade objetiva, na qual não se mergulha na análise dos fatos sob o ponto de vista do dolo ou culpa do causador do dano. Embora essas decisões igualmente mereçam modulação, na responsabilidade objetiva a norma dispensa o exame do caso singular para admitir uma solução geral de reponsabilidade ou solidariedade.

A questão da responsabilidade civil da empresa, como é analisada nesta consulta, não merece a rigidez da responsabilidade objetiva.

Não é certo supor que o empregador com relevante função social e contribuição no custeio do seguro, venha a pagar, além deste, a reparação dos danos cobertos pelo SAT, o que significará uma dupla onerosidade.

Não há dúvida com relação à relevância prática dos sistemas móveis[2] em matéria de responsabilidade civil, assim como não se pode afastar a utilidade de sistemas rígidos em matérias que requerem objetividade, nos quais a estrutura fechada da norma limita a atividade do julgador.

A melhor escolha, como refere CANARIS, “depende da estrutura particular da matéria em causa e do valor que lhe subjaz”. Sendo que a responsabilidade objetiva, ou como base no risco, como refere, merece contornos para fixação de critérios ou hipóteses concretas de incidência, como bitolas para sua concretização[3].

Como solução intermediária, entre os sistemas móveis e a rigidez da responsabilidade objetiva, a modernidade levou os juristas à tematização de riscos, segundo estudos pelos quais passaram a ser classificados riscos de diferente natureza.

Determinadas classes de riscos são sabidamente recorrentes e, para atendê-los, o Direito evoluiu desde a responsabilidade subjetiva, passando a contemplar a responsabilidade pelo risco em razão da periculosidade de alguma coisa, atividade ou serviços, evoluindo para a contratação de seguros facultativos ou obrigatórios.

Nesse contexto, ao lado das normas de responsabilidade civil, existem valores e um grande acervo de normas de Direito dos seguros, com eficiente resposta por meio de seguros públicos e privados, os primeiros no âmbito de funções estatais e políticas públicas, os últimos por meio de contratos de seguros privados.

Nessa evolução jurídica, observa-se que alguns seguros de responsabilidade civil tornaram-se obrigatórios, em grande parte das nações: responsabilidade civil dos proprietários de veículos de via terrestre, hidroviários e aeronáuticos[4]; transportes; construtor de imóveis; condomínio; seguros ambientais, seguro garantia em contratações com o Poder Público; seguros de crédito à exportação; seguros para animais domésticos ou perigosos; responsabilidade civil patronal; seguro de caçadores; atividades esportivas, viagem, responsabilidade civil de profissionais; a seguridade social e seus benefícios em caso de morte, invalidez, aposentadoria, desemprego, auxílio maternidade, entre outras funções econômicas e sociais de relevância.
Foram aprimoradas diferentes soluções de seguro obrigatório, eficiente resposta para a reparação de danos, como um complemento prático às leis de responsabilidade civil pela atividade seguradora.

Neste contexto, o Direito do seguro exerce uma função instrumental frente à imprevisão ou infortúnio, de reduzir os efeitos econômicos de riscos, por seus fundamentos jurídicos e atuariais baseados na estatística e estudos de probabilidades, pelos quais as coberturas pagas a alguns são suportadas por muitos[5].

A responsabilidade do empregador é induvidosa quanto a obrigatoriedade da contratação do SAT. Trata-se de um seguro obrigatório, arrolado dentre os direitos sociais do trabalhador, por decorrência de norma constitucional (CF, art. 7º, XXVIII) e da legislação especial aplicável.

Quanto à obrigação de reparar os danos ao trabalhador, o mencionado inciso XXVIII impõe um dever de razoabilidade e atenção para com relação à posição do empregador face às circunstâncias do caso concreto.

A responsabilidade objetiva não está contida no referido comando constitucional. Nem mesmo existe fundamento hermenêutico para este alargamento de obrigações do empregador, que não condiz com a atenção a ser conferida ao caso singular, especialmente as condições de segurança e higiene da atividade laboral.

A NATUREZA JURÍDICA DO SAT

O constituinte valeu-se do SAT como instrumento de reparação de danos em acidentes de trabalho, contemplando um avanço no campo da responsabilidade civil e dos direitos sociais do trabalhador.

A responsabilidade prevista no inciso XXVIII do art. 7º da Constituição pressupõe a obrigação do empregador contratar o seguro, além da mencionada norma imputar-lhe o dever de reparação de danos nos casos de dolo ou culpa.

Nesse contexto, a Constituição Federal contempla um tipo de seguro público de pessoas, mais estritamente de seguro de acidente de trabalho, regido pela Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e legislação adicional, que dispõem sobre “Planos de Benefícios da Previdência Social”.

O SAT se enquadra na classe dos seguros obrigatórios de pessoas, essa nos parece a essência de sua natureza jurídica, embora grande parte da doutrina prefira destacar a natureza tributária[6].

Muitos autores entendem que, com o advento da CF/88 conferiu-se natureza tributária às contribuições sociais, especialmente por força dos artigos 201 e 149, este último segundo o qual “compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas…”.

Longe de optar por uma ou outra classificação, há que considerar-se a sua natureza complexa, por razões de adequação na concretização desses direitos.

No plano infra-constituicional, o SAT é regido pela Lei 8.212/91, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social e institui o Plano de Custeio, com nova redação na Medida Provisória 1.523-9/1997.

As alíquotas são definidas de acordo com uma graduação pré-determinada de risco da atividade exercida. As contribuições variam de 1%, 2% ou 3% com taxas agravadas para o trabalhador com maior exposição a agentes nocivos, de 6%, 9% ou 12%.

Cuida-se de um seguro público, uma espécie de direito social no âmbito de políticas públicas, com destaque nas relações laborais, saúde e previdência social.

Na expressão do Min. Gilmar Mendes, pode ser visto como um seguro social de “filiação obrigatória a um regime de previdência, de caráter contributivo e com correspondente concessão de benefícios”[7].

Como se verifica, o SAT é um seguro que nasce por força de lei «obrigação legal»[8], e provém de normas de direito público, no âmbito da soberania do Estado e do poder de intervenção na ordem econômica ou «poder de imperium»[9].

Este caráter de seguro público obrigatório, e sua magnitude na compreensão da matéria, não merece uma redução simplificadora ao ponto de encerrar-se sua classificação na natureza tributária, pondo-se de lado suas características e objeto.

Além do objeto e suas coberturas, não se deve confundir tributo com seguro, uma vez que o pagamento do último se dá em razão de uma atividade estatal específica, relacionada a determinados riscos, estudos atuariais e contribuições por faixas de riscos, diferentemente dos impostos e seu caráter uti universi[10].

A propósito, empresários mais antigos conheceram o seguro obrigatório de acidente de trabalho contratado junto a companhias seguradoras, o que pode voltar a fazer sentido nos dias atuais, sobretudo face à ampla especialização e profissionalismo que se consolidou na atividade seguradora.

Em síntese, a natureza jurídica do SAT não merece classificação apenas do ponto de vista tributário, desprezando-se sua ratio essendi: de um seguro público obrigatório de acidente de trabalho, importante conquista no campo das relações laborais.

Por estas razões e adequação do SAT ao Direito dos seguros, seus valores e normas, cumpre observar limites à imputação de responsabilidade ao empregador, notadamente no campo da sub-rogação e ações regressivas, para o ressarcimento de benefícios pagos ao trabalhador.

PRESSUPOSTOS DE SUB-ROGAÇÃO DO INSS

A sub-rogação do segurador teve sua evolução desde o surgimento em cláusulas contratuais[11], passando à sub-rogação legal nos seguros marítimos, até a generalização da sub-rogação legal nas leis de seguro.

A ação regressiva proposta pelo INSS em face dos empregadores é típico caso de sub-rogação legal.  Baseia-se nos artigos 120 e 121 da Lei 8.213/91, que regula os benefícios previdenciários e responsabilidade civil da empresa quando age com culpa ou dolo face a ocorrência de acidente de trabalho:

Lei 8.213/91  –  “Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.”

Lei 8.213/91  – “Art. 121. O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem.”

Nos casos de «negligência com relação à segurança do trabalhador» a lei prevê uma hipótese específica de sub-rogação do INSS para promover ação regressiva contra a empresa ou outros sujeitos igualmente responsáveis ou solidários.

Como consequência do seguro e do pagamento do sinistro, a autarquia fica investida em determinados direitos e ações do segurado contra o causador dos danos[12].

Por seu efeito translativo[13], o crédito se difere do segurado ao segurador, neste caso o INSS, por meio de um comando legal[14], que confere legitimidade para promover o ressarcimento perante o terceiro causador dos prejuízos.

Esta norma tem o sentido de proteção da mutualidade, ao mesmo tempo em que penaliza condutas ilícitas. Na expressão de Donatti, com a diretriz legal da sub-rogação, o responsável pelos danos não fica exonerado de repará-los.

Além do responsável não ficar na impunidade, o princípio da sub-rogação do segurador[15] contribui para reduzir perdas da atividade seguradora, com incremento na rentabilidade da carteira de seguros[16], propiciando melhores taxas e prêmios, para tornar o seguro mais acessível.

Destacamos da doutrina [17] alguns pressupostos para a sub-rogação do segurador:

a) existência e validade do contrato de seguro;
b) licitude e prova do pagamento da indenização securitária;
c) interesse do segurador em exercer a faculdade da sub-rogação nos direitos e ações do segurado;
d) limitação do interesse do segurador à indenização paga ao segurado;
e) existência de um crédito de ressarcimento do segurado contra o terceiro responsável pelos danos[18]

Com o pagamento da garantia constitui-se o crédito, condição essencial o quantum do ressarcimento[19]. Do contrário, estaria se admitindo benefício indevido ao segurador, se pudesse cobrar do terceiro sem indenizar a cobertura contratada.

Ocorre que certos critérios de razoabilidade são igualmente saudáveis nos seguros públicos. Em outras palavras, a sub-rogação não é incondicional, e não se pode transformá-la numa via irrefletida de arrecadação para os cofres da autarquia.

Nas leis de seguro são usuais ressalvas no sentido de evitar-se que o seguro se volte contra quem o contratou. Veja-se exemplos de ressalvas legais sublinhados nas notas de rodapé e comentários abaixo[20].
O Código Civil brasileiro, por exemplo, ao disciplinar o instituto da sub-rogação do segurador, em seu art. 786 e § 1º, ressalvados os casos de dolo, impede a sub-rogação contra o cônjuge do segurado, descendentes, ascendentes, consanguíneos ou afins.

“Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.
§ 1o Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins.” (Grifamos)

No direito argentino, que possui lei especial para o contrato de seguro (Ley de Seguros 17.418), fica expressamente afastada a sub-rogação para que não se volte contra o segurado:

“SECCION V: Subrogación: Art. 80. Los derechos que correspondan al asegurado contra un tercero, en razón del siniestro, se transfieren al asegurador hasta el monto de la indemnización abonada. El asegurado es responsable de todo acto que perjudique este derecho del asegurador. Excepciones: El asegurador no puede valerse de la subrogación en perjuicio del asegurado. Seguros de personas: La subrogación es inaplicable en los seguros de personas.”
É um contrassenso a sub-rogação voltar-se contra o segurado ou o tomador do seguro. Ninguém merece um seguro que se volte contra o contratante ou tomador. É como uma violação ao princípio da confiança[21]. A propósito, em algumas leis, fica expressamente afastada a sub-rogação nos seguros de pessoas.

O fato que merece observação, nos seguros públicos e nos seguros privados, é o necessário respeito à mutualidade das contribuições, assim como é causa de justiça e reequilíbrio social o redirecionamento da responsabilidade para o causador do dano.

Em tais situações, a questão merece ser cotejada do ponto de vista da negligência do empregador quanto a segurança e higiene do trabalho, conforme os referenciais de cognoscibilidade definidos pelo legislador (Lei 8.213/91, art. 120).

Não é caso de penalização incondicional das empresas, sobretudo em um dos momentos mais críticos da história econômica do país.

A prevalecer a responsabilidade objetiva, que vislumbra o INSS em suas defesas e pareceres, a empresa contribuirá para o SAT, que sempre regredirá contra ela. Haverá desproporção, por pagar-se duplamente; e falta de razoabilidade do empregador pagar um seguro que, invariavelmente, se voltará contra ele. Neste caso, seria melhor rever-se todo o sistema e, quem sabe, convidar o mercado segurador a ingressar neste empreendimento.

Nesse sentido, acreditamos que o ressarcimento da autarquia deve cingir-se aos casos de dolo ou culpa grave, quando se evidencia a negligência do empregador, a fim de não se cometer exageros.

Este sentido guarda equivalência às hipóteses excepcionadas pelas leis de contrato de seguro, assim como condiz com a interpretação sistemática da Constituição Federal, face à legislação específica sobre a matéria (CF art. 7º XXVIII e artigos 120 e 121 da Lei 8.213/91).

Essa solução hermenêutica, de concordância de diferentes normas, valoriza a função social do SAT, com respeito à mutualidade; assim como reconhece a função social da empresa e a sua força contributiva no equilíbrio da previdência social.

CONCLUSÕES:

A norma do art. 7º, XXVIII da Constituição Federal é clara ao prever que a responsabilidade do empregador não prescinde da análise do caso concreto, circunscrevendo-se às hipóteses de dolo ou culpa.

A legislação especial é igualmente explícita, prevendo ressarcimento nos casos de negligência com relação à segurança do trabalhador (Lei 8.213/91, art. 120).

Com relação aos sistemas de responsabilidade civil, observa-se a responsabilidade subjetiva em um extremo; em outro, um rol específico de hipóteses de responsabilidade objetiva; havendo como solução intermediária a responsabilidade pelo risco, em razão da perigosidade de alguma coisa, atividade ou serviços, evoluindo para a contratação de seguros como eficiente resposta por meio de seguros públicos e privados.

Nessa evolução jurídica, muitos seguros de responsabilidade civil tornaram-se obrigatórios em grande parte das nações, inclusive no campo dos seguros sociais, permitindo a reparação econômica, ao lado da condenação do responsável.

Com isso, a incidência dos valores e normas do Direito dos seguros se projeta sobre a análise dos mesmos, merecendo exame na compreensão do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT), para com relação deve haver razoabilidade nos critérios de sub-rogação e ações regressivas contra o empregador.

Em outras palavras, o que se quer afirmar é que a sub-rogação do INSS para cobrar prejuízos decorrentes de acidente de trabalho não prescinde do exame das circunstâncias do caso concreto, a fim de verificar os danos e o nexo causal frente ao segurado. Ninguém espera contratar um tipo de seguro que, invariavelmente, se voltará contra si.

A questão da responsabilidade civil da empresa, cotejada sob o ponto de vista da do artigo 7, XXVIII da Constituição Federal, a priori, tem o sentido de atribuir-se o papel contributivo ao empregador, e afastar qualquer ideia generalizadora de responsabilidade objetiva, ou de responsabilidade baseada no risco (C.C. art. 927, parágrafo único).

Pelo sentido das palavras, a intenção do constituinte não foi outra senão a de limitar-se a responsabilidade aos casos de dolo ou culpa (in claris cessat interpretatio)[22], especialmente se a norma vem ao encontro dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF, art. 170), e do favorecimento às empresas de pequeno porte.[23]

Com base na concordância prática desses valores carreados pelos sistemas de responsabilidade civil e pelo Direito dos seguros, entende-se que a responsabilidade da empresa deve limitar-se aos casos de dolo ou culpa grave, como medida de justiça e reequilíbrio jurídico dos direitos da mutualidade.

Referido critério merece análise do ponto de vista do processo legislativo, com proposição de emendas à legislação especial; ou pode encontrar o acolhimento na jurisprudência ou mesmo súmulas de nossos Tribunais Superiores.

A solução, inclusive para o leading case em exame, passa pela análise das circunstâncias do caso concreto. Cumpre valorizar a compreensão dos fatos e da etiologia dos danos como solução de razoabilidade e proporcionalidade na aplicação da lei.

A modulação ao caso, ainda, pressupõe a proteção da confiança e da não surpresa quanto a eventual mudança jurisprudencial, merecendo exame a natureza securitária do SAT, razão de ser de sua existência como um seguro contributivo, para o qual as empresas participam do custeio, conforme a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.

Preferimos não trazer conclusões sobre o objeto do Recurso Extraordinário 828040. Cumpre respeitar a atuação dos procuradores na causa e seus argumentos de defesa, razão pela qual esta opinião jurídica circunscreve-se ao campo dos conceitos gerais e análise teórica e científica da matéria de repercussão geral.

Sob o ponto de vista da constituição, vale o respeito às liberdades públicas de ordem econômica, à intervenção mínima e à segurança jurídica, no sentido de afastar-se o sentido generalizador da responsabilidade com base no risco, sem bitolas de concretização (art. 927, parágrafo único do Código Civil).

Observa-se que, mesmo no plano infra-constitucional, a negligência do empregador é condição para a ação de ressarcimento (Lei 8.213/91, art. 120).

São algumas análises e conclusões desta opinião jurídica.

[1] Veja-se: BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, p. 313: “A característica essencial das cláusulas gerais é o emprego de linguagem intencionalmente aberta e vaga, de modo a transferir para o intérprete o papel de completar o sentido da norma, à vista dos elementos do caso concreto.”

[2] Veja-se CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p.p. 103-148.

[3] CANARIS, Claus-Wilhelm. Op. Cit. p. 147. O autor ainda destaca objeções à clausula geral da reponsabilidade pelo risco; recomendando, ao menos, ser complementada por uma série de previsões normativas específicas, que fixem os limites máximos da responsabilidade, definindo bitolas para a concretização da cláusula geral.

[4] Lei nº 6.194, de 19 de dezembro de 1974 – Dispõe sobre Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não (DOU 20.12.74).

[5] Nesse sentido: DONATI, Op. cit. p. 14. MANES, Alfredo. Op. cit. p. 9. “el riesgo que pesa sobre la totalidad, es – gracias a la organización – menor de lo que sería la suma de los riesgos individuales separadamente. Segundo FEDDUCHY: “no todos los barcos se pierden, no todas las casas se queman, no todos los campos se apedrean, no todos los hombres sufren accidentes y, aunque todos han de morir, no todos lo hacen al mismo tiempo; de modo que se todos, o muchos se reúnen, estudian la probabilidad de que a uno o a algunos les ocurran esas desgracias y calculan lo que cada uno podrá aportar, para entre todos, socorrer a los que sean víctimas de ellas, se tendrá resuelto el modo de cubrir esa necesidad de auxilio mutuo, pues con un sacrificio relativamente pequeño de cada uno, puede compensarse la desgracia de alguno o algunos del grupo”. FEDUCHY, Fernando Ruiz. Op. cit. p. 8.

[6] Sobre a natureza tributária das contribuições previdenciárias veja-se: MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito constitucional ? Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco – 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 678. CARRAZZA, Roque Antonio. RDT nº 70, p.54. MACHADO, Hugo De Brito. Curso de Direito Tributário, São Paulo, Malheiros, 11ª Ed., 1997, p. 313 . BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, Saraiva: São Paulo, 14ª ed., 1992, p. 44.

[7] MENDES, Gilmar Ferreira. Op. Cit. p. 678.

[8] Brasil: Constituição Federal, art. 149; combinado com art. 201 e seguintes.

[9] Sobre a noção de “imperium”, como um dos elementos característicos do Estado, veja-se: JELLINEK, Georg. Teoría general del Estado. Traducción de la segunda edición alemana y prólogo por Fernando de los Ríos. Editorial D de F. Montevideo y Buenos Aires, 2005. Reimpresión de la traducción a la edición alemana de 1905, p. 300.

[10] Sobre a característica essencial dos impostos consistir na inexistência de atividade estatal específica veja-se: MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 31ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 902.

[11] Cf. DONATTI, Antígono. Op. cit. pp. 301-302. SANCHEZ CALERO, Fernando. Op. cit. pp. 651 e 654.

[12] Brasil: C.c. art. 786. Espanha: LCS, art. 43; C.c.: art. 1111. Portugal: DL. 72/2008, art. 136° e 181º. Itália: Cesare Vivante destaca que: “L’assicuratore é surrogato in tutti i diritti che competeno all’assicurato verso i terzi per causa del danno (art. 438).” Argentina: LS, art. 80. Chile: art. 534. México: LS, art. 111,143 e 163.

[13] “L’effet translatif de la subrogation” BIGOT, Jean. Op. cit. p. 1157.

[14] Cf. SÁNCHEZ CALERO, Fernando (Director), Francisco Javier Tirado Suárez, Alberto Javier Tapia Hermida y José Carlos Fernández Rozas. Ley de contrato de seguro. Pamplona, Editora Aranzadi, 1999.
pp. 654-655.

[15] S. GRAVINA, Maurício. Princípios jurídicos del contrato de seguro. 1ª ed. Buenos Aires-Madrid-Mexico: Ciudad Argentina-Hispania Libros, 2015, p.p 147-163. GRAVINA, Maurício Salomoni, Princípios Jurídicos do Contrato de Seguro. Rio de Janeiro: Funenseg, 2015, p.p. 85-93.

[16] Fernando Sanchez Calero observa que estas razões de ordem econômica, que permitem uma melhor exploração do negócio do seguro, se encontram na exposição de motivos do Código de Comércio espanhol, de 1885. Op. cit. p. 653.

[17] Sobre os pressupostos da sub-rogação: DONATTI, Antígono. Op. cit. p. 302-304. GARRIGUES, Joaquim. pp. 501-502. VIVANTE, Cesare. Op. cit. pp. 534-536. SANCHEZ CALERO, Fernando. Op. cit. p. 651-669; ALVIN, Pedro. cit. pp. 476-490; VASQUES, José. Op. cit. pp.154-160.

[18] In. S. GRAVINA. Maurício. Op. cit. p. 155.

[19] Sobre o pressuposto do pagamento da indenização vide: Brasil: C.c.: “Art. 786, caput. Espanha: LCS, art. 43. SANCHEZ CALERO, Fernando. Op. cit. p. 654-655. BIGOT, Jean. Op. Cit. p. 1157. Portugal: DL, art. 136º , 1.

[20] Brasil: C.c.: “Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano. § 1o Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins. § 2o É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo.” Espanha: LCS., “Artículo 43.  El asegurador, una vez pagada la indemnización, podrá ejercitar los derechos y las acciones que por razón del siniestro correspondieran al asegurado frente a las personas responsables del mismo, hasta el límite de la indemnización. El asegurador no podrá ejercitar en perjuicio del asegurado los derechos en que se haya subrogado. El asegurado será responsable de los perjuicios que, con sus actos u omisiones, pueda causar al asegurador en su derecho a subrogarse. El asegurador no tendrá derecho a la subrogación contra ninguna de las personas cuyos actos u omisiones den origen a responsabilidad del asegurado, de acuerdo con la Ley, ni contra el causante del siniestro que sea, respecto del asegurado pariente en línea directa o colateral dentro del tercer grado civil de consanguinidad, padre adoptante o hijo adoptivo que convivan con el asegurado. Pero esta norma no tendrá efecto si la responsabilidad proviene de dolo o si la responsabilidad está amparada mediante un contrato de seguro. En este último supuesto, la subrogación estará limitada en su alcance de acuerdo con los términos de dicho contrato. En caso de concurrencia de asegurador y asegurado frente a tercero responsable, el recobro obtenido se repartirá entre ambos en proporción a su respectivo interés.” França: CA, “Art.L.121-12 – L’assureur qui a payé l’indemnité d’assurance est subrogé, jusqu’à concurrence de cette indemnité, dans les droits et actions de l’assuré contre les tiers qui, par leur fait, ont causé le dommage ayant donné lieu à la responsabilité de l’assureur. L’assureur peut être déchargé, en tout ou en partie, de sa responsabilité envers l’assuré, quand la subrogation ne peut plus, par le fait de l’assuré, s’opérer en faveur de l’assureur. Par dérogation aux dispositions précédentes, l’assureur n’a aucun recours contre les enfants, descendants, ascendants, alliés en ligne directe, préposés, employés, ouvriers ou domestiques, et généralement toute personne vivant habituellement au foyer de l’assuré, sauf le cas de malveillance commise par une de ces personnes.”  Portugal: DL 72/2008,“Artigo 136.º Sub-rogação pelo segurador. 1 — O segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro…. 4 – O disposto no n.º 1 não é aplicável: a) Contra o segurado se este responde pelo terceiro responsável, nos termos da lei; b) Contra o cônjuge, pessoa que viva em união de facto, ascendentes e descendentes do segurado que com ele vivam em economia comum, salvo se a responsabilidade destes terceiros for dolosa ou se encontrar coberta por contrato de seguro.
Argentina: LS – “SECCION V: Subrogación: Art. 80. Los derechos que correspondan al asegurado contra un tercero, en razón del siniestro, se transfieren al asegurador hasta el monto de la indemnización abonada. El asegurado es responsable de todo acto que perjudique este derecho del asegurador. Excepciones: El asegurador no puede valerse de la subrogación en perjuicio del asegurado. Seguros de personas: La subrogación es inaplicable en los seguros de personas.” Chile: C.com. “Art. 534. Subrogación. Por el pago de la indemnización, el asegurador se subroga en los derechos y acciones que el asegurado tenga en contra de terceros en razón del siniestro. El asegurador no tendrá derecho a la subrogación contra el causante del siniestro que sea cónyuge o pariente consanguíneo del asegurado en toda la línea recta y hasta el segundo grado inclusive de la línea colateral, y por todas aquellas personas por las que el asegurado deba responder civilmente. Sin embargo, procederá la subrogación si la responsabilidad proviene de dolo o se encuentra amparada por un seguro, pero sólo por el monto que éste haya cubierto. El asegurado será responsable por sus actos u omisiones que puedan perjudicar el ejercicio de las acciones en que el asegurador se haya subrogado. El asegurado conservará sus derechos para demandar a los responsables del siniestro. En caso de concurrencia de asegurador y asegurado frente a terceros responsables, el recobro obtenido se dividirá entre ambos en proporción a su respectivo interés.” México: LS. “Artículo 111.- La empresa aseguradora que pague la indemnización se subrogará hasta la cantidad pagada, en todos los derechos y acciones contra terceros que por causa del daño sufrido correspondan al asegurado.” “Artículo 143.- La empresa aseguradora, se subrogará en las acciones que competan a los asegurados para repetir contra los porteadores por los daños de que fueren responsables.” Artículo 163…En el seguro sobre las personas, la empresa aseguradora no podrá subrogarse en los derechos del asegurado o del beneficiario contra los terceros en razón del siniestro, salvo cuando se trate de contratos de seguro que cubran gastos médicos o la salud.”

[21] Sobre o princípio da confiança no contrato de seguro: S. GRAVINA, Maurício. Op. cti. p. 183-191. GRAVINA. Maurício Salomoni. Ensuring trustworthiness in the insurance contract. Cadernos de Seguro, Ano XXXVI, nº 187,Janeiro/março 2016, p.p. 65-67.

[22]  Na lição de Calos Maximiliano, “quando o sentido da lei for claro, não se desprezará a letra da mesma para consultar seu espírito ou a história do seu estabelecimento. In. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2000, p. 38.

[23] Brasil: CF, “Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único – “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

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