Uma grande recessão econômica se iniciou com a Covid-19, sem data para terminar, com seus riscos sociais, econômicos e políticos. Em circunstâncias assim é preciso dar peso à «confiança»[1].
A confiança é um valor social de abrangência generalizada. Uma espécie de princípio supraconstitucional, informador da ordem jurídica e do Estado de Direito, relacionada à aceitação e previsibilidade das leis pelo cidadão. Atua nas escolhas pessoais e nos negócios, sendo um importante indicador econômico.
É um princípio a ser cotejado quando muitos, por necessidade ou intenção, descumprem obrigações. E deve prevalecer sobre o manto do estado de necessidade, calamidade, caso fortuito ou força maior, fatos que não autorizam, por si só, o inadimplemento das obrigações.
Para os negócios, como solução de equidade, aplicam-se normas de reequilíbrio das relações, na via consensual ou na judicialização de conflitos (art. 317 e 480 do CC).[2]
Mas há casos em que a parte se responsabiliza pela obrigação e desconsidera o caso fortuito no campo da autonomia privada (art. 393 do CC).[3] Isso faz observar os negócios em suas circunstâncias próprias, considerando as condições da contratação, os fatos ocorridos e possível vulnerabilidade das partes.
De outra parte, a inadimplência torna relevante os instrumentos de crédito e a irrigação da economia com o apoio governamental. Em contextos assim, surgiu o seguro de crédito durante a Primeira Guerra Mundial, depois levado às Micro e Pequenas empresas, ao crédito hipotecário, seguro agrícola, vendas à prestação e insolvência.
Momentaneamente, elevaram-se os riscos comerciais de insolvência ou da mora prolongada. Seguros assim, conferem previsibilidade com relação às contas a receber, incrementam o perfil de crédito e reduzem a inadimplência. E será preciso muito dinheiro e crédito na economia.
Além do descumprimento de obrigações pela causa recessiva, chama atenção a responsabilidade civil. Muitos não terão como responder economicamente por prejuízos que venham a causar. Isso vale em diferentes frentes, pessoais e profissionais, e merece destaque a responsabilidade automobilística com seus números também de guerra.
Em razão dos movimentos legislativos, é momento para rever o sistema de seguros de veículos no País. Não apenas para extinguir o modelo existente, por suas lacunas e suscetibilidade à corrupção. O Estado que licencia a produção, comércio e circulação de veículos, e legisla sobre trânsito e transportes, tem responsabilidade com as vítimas deste sistema, e com as reparações. Na Europa estima-se próximo a 2% do PIB os prejuízos com mortes, invalidez e prejuízos materiais e lucros cessantes.
A baixa liquidez fará com que muitos deixem de contratar o seguro facultativo de veículos, ou tornem-se inadimplentes e as vítimas ficarão desassistidas.
Nesta luta epidêmica, de forma breve e com as armas da medicina e da economia, será preciso retomar investimentos. A confiança e o crédito são valores fundamentais, e a responsabilidade civil, inclusive em temas de trânsito e seus números alarmantes merecem atenção.
Caxias do Sul, 22 de abril de 2020.
Maurício Salomoni Gravina