Sobre a consequência de eventual presença do prefeito à mesa de negociação
Poucos sabem sobre a consequência de eventual presença do prefeito à mesa de negociação salarial, que compete à concessionária do transporte urbano conduzir diretamente com seus empregados ou perante o sindicato daquela categoria profissional. Quando se tiver melhor noção, ficará compreensível a sua recusa em se aproximar dela.
Não cabe ao prefeito sugerir, propor ou discutir o índice de reajuste salarial, tampouco das demais cláusulas embutidas no dissídio, que acrescem os encargos do empregador através de planos de assistência médica (Unimed); percentuais maiores sobre horas extras; vale-alimentação; quinquênios, dentre outras vantagens.
Acontece, no entanto, que a simples presença do prefeito junto aos atores integrantes do dissidio, diante do resultado firmado pelo empregador e o sindicato dos trabalhadores, poderá dar a falsa impressão de que deu sua aprovação. Se não se manifestar, terá concordado com o índice de 10,96%, que já foi calculado na planilha do custo do serviço, para a nova tarifa, sem que o dissidio tenha sido concluído.
Com o congelamento da tarifa nos R$ 3,40, pelo menos, não foi consentido pelo Poder Concedente o aumento da folha salarial da concessionária em 10,96%, para efeitos tarifários.
Haverá mais tempo, agora, para refletir sobre a consequência de tão elevado índice, que significa o dobro concedido aos motoristas e cobradores de Porto Alegre (5,5%) e das demais categorias profissionais de Caxias do Sul.
Para entender melhor o caso: A CLT no título das Convenções Coletivas do Trabalho previu em seu art. 624:
“A vigência de cláusula de aumento ou reajuste salarial que implique elevação de tarifa ou preços sujeitos à fixação por autoridade pública ou repartição governamental dependerá de prévia audiência dessa autoridade ou repartição em sua expressa declaração no tocante à possibilidade de elevação da tarifa ou do preço e quanto ao valor dessa elevação (inclusão do Dec.Lei 229, de 28.02.67)”. |
A razão da cautela da Administração Pública é procedente. Qualquer movimento em falso dará ensejo a que a empresa exija a aplicação integral do aumento salarial concedido por ela, para o cálculo da tarifa.
Por isso, o índice do aumento salarial que for acordado entre as partes do dissidio terá de ser submetido ao prefeito. Isso, porque cabe a ele zelar pela modicidade tarifária. O aumento dos salários dos empregados da concessionária, caso o prefeito concordar com os 10,96% – que foi cogitado no estudo da administração anterior – será pago pelos usuários do transporte urbano, pois irá para a tarifa. Serão os trabalhadores e as empresas que pagam o vale-transporte quem suportará esta conta.
Cabe ao prefeito examinar a conjuntura, o momento da economia local, o desemprego e a crise que afeta os usuários, passageiros comuns (sem vale-transporte) e a situação das empresas industriais, comerciais e de serviços que pagam considerável parcela do transporte dos seus empregados com o vale-transporte.
Veja o que está acontecendo em Porto Alegre. O dissidio da categoria rodoviária de lá, depois das mesmas ameaças de paralisação daqui, não passou de 5,5%.
Pois em Caxias, sem ter havido a conclusão do dissídio a Secretaria dos Transportes do governo anterior, considerou na planilha de custo, como fato consumado, o índice salarial de aumento da ordem de 10,96%, ou seja, o dobro de Porto Alegre.
Quem afirma isso são os dois técnicos daquela Secretaria que em seus comentários sobre o processo de revisão tarifária, declararam:
“Conforme o acima exposto, e considerando ainda o acordo do dissídio salarial de 10,96% para o próximo ano, resultou que a tarifa geral do transporte coletivo urbano foi calculada em R$ 4,0175 (quatro reais, um centavo e setenta e cinco centésimos de centavo), representando um aumento de 16,36% (dezesseis virgula trinta e seis porcento) sobre a tarifa calculada em dezembro de 2015, de R$3,4526 (três reais, quarenta e cinco centavos e vinte e seis décimos de centavo), e representando um aumento de 18,16% (dezoito, vírgula dezesseis porcento) sobre a atual tarifa vigente de R$ 3,40 (três reais e quarenta centavos)”. |
O item “pessoal” da planilha leva em conta o custo da mão de obra na tarifa. Assim quem irá pagar o percentual de aumento dos salários dos empregados e dirigentes da empresa – que representa mais de 55% do custo operacional – serão os usuários do transporte.
O órgão de gerência da administração municipal não pode interferir no aumento que a empresa queira conceder aos seus empregados, mas tem o dever de não concordar em repassar, na íntegra, o que ela quiser conceder acima dos índices praticados, como o de Porto Alegre (5,5%) e de outras categorias profissionais da nossa região.
Esta ressalva encontra amparo no art. 624 da CLT. Não foi sem outra razão senão a de resguardar tarifas módicas do serviço público, que a CLT impôs a necessidade de expressa declaração do prefeito no tocante à possibilidade de elevação da tarifa, provocada pelo aumento da folha salarial da concessionária, tendo em vista a capacidade de pagamento do usuário.
Parâmetro para resolver o impasse existe e foi praticado nos idos em que o Conselho Interministerial de Preços (CIP), órgão do Ministério da Fazenda julgava os reajustes das tarifas dos ônibus de todo o país.
Funcionava da seguinte maneira: o que as empresas e por suas razões, concediam de reajuste nos salários acima dos índices de correção inflacionária ou das metas de contenção inflacionária do governo federal de então, seria considerado como parcela espontânea ou atos de liberalidade das concessionárias e correriam por conta delas.
Isto quer dizer, que os atos de generosidade das empresas com seus empregados seriam custeados por elas, pois o excedente não seria repassado aos passageiros pagantes da tarifa.
Esta parece ser a prudência do prefeito. Caso presente na discussão do dissídio, o que não lhe compete, certamente ele seria pressionado e transformado no vilão em caso de malogro das negociações, tido por causador dos malefícios da eventual greve e inimigo da empresa e dos seus empregados.
Diante do agravamento do quadro de insatisfação, que poderá redundar em greve, o que se pode fazer é dar ao caso o mesmo tratamento de Porto Alegre. Remeter as planilhas ou estudos de reajuste da tarifa urbana para análise do TCE, que neste momento está examinando a planilha de estudo da capital do Estado.
Por outro lado, se é grave a situação econômico-financeira do contrato, como declarado pelos dirigentes da concessionária, cumpre ao poder concedente, através de seus técnicos/auditores se certificar, pois estará havendo um risco ou comprometimento da manutenção do serviço essencial concedido pelo Município.
O poder concedente possui competência para fiscalizar e auditar a sua concessionária, na forma da Lei 8.987/95 (Lei das Concessões de Serviços Públicos) e do edital e contrato de concessão.
“Art. 30. No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos e econômicos e financeiros da concessionária.” |
De tudo o que se falou, uma coisa essencial deve ser dita: a empresa tem o direito e o Município a obrigação de determinar o cálculo e de reajustar, anualmente, o valor da tarifa do serviço que comprovar a oscilação dos preços para mais, dos insumos do custo operacional do serviço prestado. Além disso, a uma reavaliação nas isenções de pagamento da passagem.
Os congelamentos de tarifas dos serviços públicos, que fizeram história no Brasil e no Estado, resultando em polpudas indenizações pagas pelo poder concedente.
Na maioria das vezes as concessionárias tiveram um plus nos valores das tarifas, que o povo teve de pagar por algum tempo ou os contratos acabaram prorrogados, com a dilação dos prazos de concessão, para compensar, mesmo que os serviços fossem considerados de má qualidade pelos os usuários, que tiveram que engolir.
O fato derradeiro a estas considerações é o de que existiu um estudo da Secretaria dos Transportes, levado ao CMTT que o julgou e indeferiu o reajustamento sob um fundamento, no mínimo discutível e será impossível conter a necessidade do refazimento de um competente novo estudo das tarifas.
A forma de fazer isso, tem amparo no princípio de autotutela do poder público. O Secretário dos Transportes pode anular ou revogar o citado estudo e toda a sua planilha. Trata-se, de ato administrativo próprio da autoridade que tem a seu cargo gerenciar esse serviço concedido pelo Município.
É desta autoridade a competência de rever seus próprios atos e anulá-los ou revogá-los. Tem nas Súmulas 437 e 346 do STF a fonte do poder para o desfazimento do ato (cálculo) realizado pela outra administração.
Anulado o processo anterior do reajuste da tarifa, por estar eivado de algum vício ou por conveniência e oportunidade, julgadas pelo atual gerente público da concessão, cabe-lhe instaurar novo processo de reajuste da tarifa.
Seriam, então, reavaliados todos os itens da planilha do GEIPOT: conferindo-se os valores dos insumos realmente pagos pela concessionária; número de passageiros pagantes nos últimos meses fora do período de férias; reavaliando-se os coeficientes de consumo de combustível e de pneus por quilômetro ou seja abrangendo o universo de planilhas e cálculos da espécie em pauta.
Sem esta flexibilidade, a greve seria responsabilidade compartilhada, pela administração, empresa e sindicato do trabalhadores.
A questão tarifária é sensível, assim como as relações entre empresa e empregados, no conhecido campo das negociações trabalhistas, e a esperança é do diálogo, proporcionalidade e razoabilidade nas decisões.
Convém estar presente à esta particularidade, o fato de que falta pouco para o encerramento do contrato de concessão e que incumbirá à atual administração o novo contrato.