A hermenêutica no contrato de seguro, em sua generalidade, deve considerar as fontes deste Direito e os valores e normas em que está inserido.
Comentamos alguns standards de interpretação, a partir das leis do Brasil, França, Espanha, Itália, Portugal entre outras nações de semelhante matriz jurídica.
A interpretação dos contratos atua em dois planos: o do «sentido das palavras» e o da «intenção das partes», prevalecendo a última como critério de respeito à vontade contratual.
Se a compreensão pelas palavras é precisa, cumpre limitar-se ao sentido delas, desde que não contrarie a função do contrato, os bons costumes e a ordem pública. Este referencial ético, vinculado aos deveres de boa-fé, confiança e bem-informar dão tônica do Direito dos seguros na atualidade.
Havendo termos suscetíveis de dois ou mais sentidos, deve-se entender no mais conveniente à matéria do negócio, e que possa produzir algum efeito, considerando a finalidade do contrato, ou seja, a garantia contratada.
Se não é fluente a compreensão pelas palavras, supre-se a obscuridade por associações de cláusulas que permitam identificar o consenso contratual, com primazia da vontade sobre o escrito, o que não significa criar novos direitos não estabelecidos entre as partes.
Para reconstituir a vontade contratual, leva-se em conta a formação do negócio e sua execução. Recorre-se às comunicações e ao comportamento das partes, antes, durante e após a conclusão do contrato, considerando publicidade, cartas, fax, e-mails, serviços, entre outros atos ou documentos que constituem meios de prova.
Mensagens publicitárias, no sentido da informação ou publicidade de produtos e serviços, obriga o fornecedor e integra o contrato que vier a ser celebrado, conforme o art. 30 do Código de Defesa do Consumidor. Em sentido semelhante, as leis de seguro falam da interpretação mais favorável ao tomador, segurado, beneficiário ou terceiro prejudicado.
Nos contratos consensuais, que não exigem forma escrita, toda comunicação ou comportamento a eles direcionados podem gerar obrigações, valendo o silêncio como expressão preceptiva, sendo que as leis de seguro distinguem algumas hipóteses de silêncio do segurador ou tomador.
O silêncio é considerado em diferentes ordenamentos jurídicos. O silêncio nos negócios é aquele que tem o valor de uma linguagem muda, espécie de declaração calada, cotejada caso a caso, conforme o Direito aplicável. A priori, seu emprego deve atender aos costumes locais.
Nos negócios formais, cuja lei requer instrumento escrito, este é condição de validade e seus anexos e rescisão seguem a mesma lógica da documentação escrita.
Por razões históricas, é conhecida a «função normativa» da apólice para delimitar o objeto da contratação, especialmente os riscos cobertos e excluídos. Todavia, não se trata de uma exigência formal tipo “ad solemnitatem”, como na antiguidade, mas de meio de prova e dever de informar do segurador. Dever vinculado as exigências de conteúdo mínimo.
No Projeto de Lei brasileiro (PL 29/2017), segue-se a lógica formal para os casos de cláusulas limitativas. Estas devem ser comprovadas por escrito, e mediante interpretação restritiva e ônus da prova do segurador quanto ao suporte fático.
No plano do sentido das palavras, a tarefa do intérprete busca compreender o conteúdo das disposições pela combinação de cláusulas, impressos e leis de fundo, de forma que uns complementem os outros, atribuindo às expressões duvidosas o sentido resultante deste conjunto.
Para contextualizar expressões de sentido genérico, leva-se em conta o objeto do contrato: seguro de incêndio, roubo, responsabilidade civil, transporte, vida, acidentes pessoais etc., pois a substância do negócio é determinante para sua interpretação e lei aplicável.
Vale verificar se a hipótese se insere dentre algum dos tipos de seguro de danos e de pessoas, de modo a compreender a vontade típica do negócio, cuja base jurídica irá conferir um referencial normativo à interpretação.
Além disso, qualquer que seja a generalidade de seus termos, não deverá compreender-se coisa distinta daquelas a que as partes se propuseram contratar. Vale referir o princípio da especialidade do risco, e as limitações do objeto ao conteúdo contratual, observando-se riscos cobertos e excluídos.
Nos negócios gratuitos ou benéficos, pouco usuais no seguro, havendo dúvida sobre o sentido das declarações, merece prevalecer o menos gravoso e em favor da menor transmissão de direitos.
Nos negócios onerosos, em que há uma variada gama de operações econômicas em que as partes, reciprocamente, a dúvida deve ser resolvida em favor da maior reciprocidade.
Outro contexto de interpretação está na ponderação da boa-fé, relevante princípio jurídico que aproxima o Direito da moral, e faz preponderar o verdadeiro sobre o falso. É princípio de permanente ponderação na atividade hermenêutica, com especial destaque no contrato de seguro, que depende de declarações encargos e confiança das partes.
A boa-fé confere lealdade e moralidade aos negócios e ao Direito. É uma espécie de crivo ético, que traz à tona a ideia naturalista de que a ordem jurídica não é referencial de si mesma. Que sua estrutura está vinculada à justiça e à verdade, segundo John Rawls “a primeira virtude” dos sistemas de pensamento.
Sabe-se que a boa-fé atua sobre o sistema de nulidades, sendo instrumento relevante ao direito das obrigações, com destaque na proteção da vulnerabilidade, relações de consumo, no processo e nos negócios em geral, com cuidados nos contratos à distância ou por condições gerais.
Outra fórmula conhecida, desde o Código de Napoleão, diz que a cláusula obscura inserida por um dos contratantes não deve favorecer quem ocasionou a obscuridade. É a interpretação contra o predisponente, prevista nas leis do Direito moderno e na orientação dos Tribunais.
Embora os contratos sigam condições gerais definidas em lei ou pelo segurador, ou ambos, podem existir «condições particulares» e «condições especiais», podendo ser escritas à mão, sendo que estas, segundo DONATI, prevalecem sobre as condições do formulário em caso de incompatibilidade:
“las cláusulas convenidas mediante relación singular significan una declaración de voluntad concreta de derogar las condiciones generales.”
Com relação à cláusula arbitral, para dirimir conflitos relativos a pessoas capazes e direitos disponíveis, deve ser redigida por escrito. Confere ao árbitro o poder específico para decidir sobre a validade da cláusula e instauração da arbitragem.
A sentença arbitral, como se sabe, equivale às decisões prolatadas pelos órgãos jurisdicionais e, quando condenatória, constitui título executivo. Ainda segundo o PL 29/2017, a arbitragem deverá ser realizada no Brasil e sujeita à normas do Direito brasileiro.
No que respeita à análise do conteúdo contratual, não se espera mobilidade de interpretação e integração ao ponto de fazer valer circunstâncias não contempladas em lei ou nas cláusulas contratuais. Esta limitação é ainda mais evidente quando estas disposições são capazes de encerrar um entendimento claro (interpretatio cessat in claris).
Cumpre respeitar os limites do objeto contatual, segundo as garantias contratadas. Fala-se do princípio da especialidade do risco, que vem atender às exigências da contratação de massa, prevendo riscos cobertos e excluídos, e os pertinentes limites do contrato «lex contractus». A limitação dos horizontes do contrato é o traço distintivo da especialidade do risco, que pressupõe a descrição das garantias, com a previsibilidade do objeto.
Assim, o intérprete deve cingir-se aos horizontes do contrato, contexto em que a documentação serve como referencial de unidade interpretativa, segundo o objeto de cada tipo de seguro, considerando-se a tutela da vulnerabilidade.
Restrições dessa natureza também derivam do respeito ao princípio da mutualidade.
PLC – 29/2017: “O contrato não pode ser interpretado ou executado em prejuízo da coletividade de segurados, ainda que em benefício de um ou mais segurados ou beneficiários, nem promover o enriquecimento injustificado de qualquer das partes ou de terceiros”.
Outro contexto a ser ponderado é o da jurisprudência. Julgados ou súmulas vinculantes estão cada vez mais presentes no Direito dos seguros, com eficácia cogente aos Tribunais inferiores ou ao Poder Público.
Com relação à força dos precedentes judiciais, vale citar a norma espanhola pela qual, quando o Tribunal Supremo declara a nulidade de alguma das cláusulas ou condições gerais, a Administração Pública obrigará os seguradores a modificar cláusulas idênticas.
Na recente reforma do Código de Processo Civil brasileiro reforçou-se a missão dos Tribunais no sentido de uniformizar e manter estável, coerente e íntegra a sua jurisprudência (art. 926, do CPC), sendo que juízes e tribunais devem observar precedentes obrigatórios (art. 927 do CPC).
Nesse macroambiente jurídico, por fim, vale referir a necessária interpretação conforme a Constituição, standard sempre presente no contexto das nações, levando-se em conta a unidade da ordem jurídica e a vinculação inafastável à interpretação constitucional.
Consideramos sempre oportuno recordar estes valores de interpretação nos negócios jurídicos, indutores de desenvolvimento e da confiança na atuação do Direito dos seguros e na autorregulação pelos particulares.
GRAVINA ADVOGADOS
Maurício Salomoni Gravina – 17.06.2019